A gente ao redor de Jeremias Moreira está espalhada pelo tempo, uns 50 anos, mais ou menos, e, mesmo maldosa, é encarada com carinho em seus jogos de tensão, vingança, sedução, esperança, inocência, confrontos e distensões.
É fabuloso ver a montagem do tempo tramando ação e reação (atrocidade e vingança) entre o Capitão Oto e Takeshi, personagens de “O professor de matemática”, e perceber que essa engrenagem tão cara ao cinema está sendo vivida pelo casal de “L’Amour” (sutilezas embrutecidas), justamente no escurinho do cinema ou no caminho até a sala, no trânsito, onde os minutos irritam e onde os detalhes que infernizam o mundo estão todos nos esperando. Espera-nos também a redenção, pela leitura que o mundo pode fazer, no caso, da mulher que se deixa masturbar, da morte na tela e do marido, confuso e enternecido com a expressão que não reconhece.
Também é fabuloso ver o inferno das leis sendo driblado pela malandragem involuntária, a mesma dessa gente toda, e a capacidade de rir dos nossos infortúnios. Perceber-se poderoso sabendo não o ser, manter as aparências, driblar as pisadas, armar estratégias que podem nos tornar a próxima vítima.
Neste universo, não há ninguém escorregando em cascas de banana, não se ri dos outros, ri-se com os outros. É uma leitura gostosa, que flui, conta histórias e nos leva para dentro delas, cria uma linearidade que pode ser alterada, uma cronologia própria, na trama de cada conto e na interação entre os contos.
O prazer de ler, um dos poucos atos solitários que ainda desfrutamos, encontra na literatura de Jeremias Moreira uma articulação de palavras e frases onde o resultado da equação inclui paralelas que se encontram, ações que andam juntas em universos separados e em coincidências que teimam uni-las. A imagem que me vem são as rodas de um trem começando a movimentar-se, engrenando movimento contínuo, mantendo-se nos trilhos, mas não abdicando de voar, mesmo que um trem não caiba no céu e venha carregado de surpresas, de gente que parece mas não é, de gente que é sem parecer. Que coisa!
Os contos de Ao Redor da Gente formam uma unidade, um livro que nos leva por um caminho literário onde as histórias se sobrepõem, dialogam entre si e nos deixam espiar as encrencas dessa gente tão parecida com a gente. Gente que encontramos no trem da vida, onde subimos quase por acaso, quando saímos da livraria com o livro debaixo do braço.
Carlos Nascimbeni
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