“Antes de chamar tia Neuma, pedi para acordar meu pai, mas minha mãe não deixou, dizendo que não precisava. Vendo seu rosto abatido e ar amofinado, peguei o candeeiro e fui desembestada atrás de minha tia. Minha mãe ainda recomendou que eu acordasse um dos meninos para me acompanhar, mas os dois também dormiam feito pedra. Ainda estava escuro lá fora, mas no meu desespero nem tive medo disso. Tia Neuma morava com uma irmã a umas sete casas acima da nossa, bem pertinho. De sono leve, assim que bati na porta, ela respondeu lá de dentro e logo me atendeu. Bem ligeiro, trocou de roupa, prendeu o cabelo assanhado num coque mal feito e voamos para casa. Encontramos minha mãe do mesmo jeito: esmorecida na cama e gemendo baixinho de dor. Ela era feito carneiro, sofria calada, sem alarde algum para não incomodar o marido. Meu pai estava de costas para ela e continuava dormindo. Tia Neuma lhe apalpou os pulsos, a barriga, abriu-lhe bem os olhos, puxando por último o lençol levemente. Nesse instante, assustei-me ao ver a poça de sangue na cama, entre as coxas de minha mãe. Tia Neuma logo me ordenou que saísse e fosse acender o fogo para ferver água, dizendo que aquilo não era coisa de menina ver. Ao sair do quarto pude ouvi-la acordando meu pai, dando-lhe uma bronca por não ter socorrido a esposa:
— Acorda homem! Vai ligeiro atrás de Alaíde que Clarice perdeu o menino! Tua mulher morrendo e tu roncando feito um porco!”
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